segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Educação: Caminho para a igualdade




Em Samambaia, no Distrito Federal, a professora de História Jeidma Marinho de Almeida contou com o apoio de outros professores para desenvolver com os alunos do Centro de Ensino Médio 304 atividades sobre lundu – gênero musical e dança folclórica de origem afro-brasileira criado a partir dos batuques dos escravos. Isso começou em 2010, quando houve palestras e oficinas com a participação de mestres em lundu. “Fomos então a Urucuia, no norte de Minas Gerais, onde a cultura se desenvolveu de forma mais abrasileirada, e gravamos um documentário.

Os alunos fizeram roteiro, gravações e edição”, conta a professora. A partir deste mês, Jeidma fará viagem a um quilombo em Goiás com alunos da suplência, com os quais trabalhou o tema em 2012. Lá será gravado um filme sobre educação quilombola. Por seu trabalho, a professora é uma das vencedoras do Prêmio Educar para a Igualdade, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.

Outra premiada é Raquel Hermont Pereira Senra, diretora da Escola Municipal Florestan Fernandes, localizada em Solimões, na periferia de Belo Horizonte. Além da escola, que fica aberta nos fins de semana, o bairro com mais da metade da população formada por negros não tem nenhum espaço cultural.

O reconhecimento é para a gestão. Há três anos sua escola investe na formação de professores para lidar com a temática em sua grade curricular e privilegia conteúdos relacionados a história da África e cultura afro-brasileira no projeto pedagógico. Dessa forma, trabalha a autoestima dos alunos por meio de oficinas ao longo de todo o ano. “Questões como por que não se aceitar como negro são abordadas nesses encontros”, diz Raquel.

A autoestima da população negra constitui um dos principais objetivos da Lei nº 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) ao determinar a inclusão da história e da cultura da África e afro-brasileira no currículo do ensino infantil, fundamental e médio. A lei, que completa dez anos neste mês, foi uma conquista do movimento negro e representou uma mudança de paradigma na orientação da educação brasileira.

“É o reconhecimento e o respeito à história, cultura e diversidade religiosa de descendentes de pessoas que, apesar de terem as mesmas potencialidades humanas, foram escravizadas e tiveram seus direitos humanos violados”, afirma a secretária de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), Ângela Maria de Lima Nascimento.

“O constrangimento de jovens negros na escola está entre as maiores causas de abandono dos estudos no ensino médio”, ressalta Ângela. “Com o desrespeito a suas características físicas, culturais e ancestrais, eles se sentem estranhos, inadequados e mal acolhidos e perdem o interesse pela educação. Com isso, passam a ter maior dificuldade de inserção na sociedade e não têm seu potencial produtivo e criativo desenvolvido. Todos nós perdemos com isso.”

Na escola e na vida

Iniciativas pedagógicas com as de Samambaia e de Solimões, entretanto, ainda são exceções nas redes públicas de ensino. Em alguns municípios, há até ações do Ministério Público para a efetiva implementação da lei. Segundo militantes do setor, há grande distância entre o que determinam a lei e as diretrizes curriculares e o que é executado.

“Como altera a estrutura educacional brasileira, deslocando a concepção eurocêntrica da ­civilização, há muita resistência principalmente pelo racismo institucional e pela mentalidade que naturaliza as desigualdades sociais entre as duas maiores parcelas da população brasileira”, avalia a secretária. “O racismo institucional, aliás, dificulta o reconhecimento do valor das populações, das culturas, e a promoção da igualdade racial tanto na escola como na sociedade.”

Ainda não há um instrumento de acompanhamento sistemático da implementação da lei pela Seppir, apenas dados indiretos de pesquisas universitárias e de inscrições de trabalhos pedagógicos em premiações que estimulam ações em prol da igualdade racial. Em muitas escolas o cumprimento da lei depende de iniciativas isoladas de professores e diretores.

Caso da professora de História Rosilei Conceição de Melo, da Escola Estadual Marcelo Tulman Neto, na Vila Curuçá, zona leste de São Paulo. Durante todo o ano de 2012 ela inseriu o debate da discriminação no conteúdo da sua disciplina nas séries finais do ensino fundamental. Os trabalhos culminaram com concurso de poesia e dissertação. “O objetivo era estimular os alunos a ler, pesquisar, escrever e conversar sobre racismo e discriminação”, conta Rosilei, lamentando que nem todas as disciplinas privilegiem a temática.

O aniversário da lei, segundo representantes do setor, não enseja comemorações, mas avaliações sobre seu cumprimento pelos conselhos estaduais e municipais, gestores da educação e estabelecimentos de ensino em todos os níveis. E, apesar do preconceito, da intolerância e da resistência presentes nas escolas e na sociedade, houve avanços.

Entre os materiais didáticos e paradidáticos produzidos está a coleção História Geral da África, parceria do Ministério da Educação (MEC) com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A coleção de oito volumes, que pode ser acessada no site da Fundação Cultural Palmares (www.palmares.gov.br), foi enviada a escolas e universidades. Versões resumidas da obra estão sendo editadas para professores da educação básica.

O MEC trabalha ainda a edição de uma coleção de materiais complementares e, recentemente, publicou edital para a compra de livros temáticos para bibliotecas escolares de todo o país.

Outra conquista veio em 2004, quando o Conselho Nacional de Educação elaborou e aprovou diretrizes curriculares nacionais para o ensino da história e da cultura afro-brasileiras e para a educação das relações étnico-raciais. Essas diretrizes ampliam a perspectiva da Lei nº 10.639 para todos os níveis de formação, desde o ensino infantil até os cursos de capacitação profissional e de nível superior.

“No lugar desses conteú­dos nas escolas entra a educação das relações étnico-raciais, que vai além da pessoa negra discriminada e pretende provocar reflexões sobre as relações raciais na sociedade brasileira e como são produzidas as desigualdades de oportunidades”, aponta Jaqueline Santos, assessora do programa Diversidade e Raça na Educação da Ação Educativa, organização não governamental que promove os direitos educativos e culturais da juventude.

O MEC tem apoiado ainda a qualificação de professores. Já foram formados 42 mil, dos quais 5.050 são de escolas localizadas em comunidades remanescentes de quilombos. Como a capacitação docente é outro grande desafio para a implementação da legislação, desde 2005 a Seppir também participa de diversas iniciativas com mais de 30 universidades, que já formaram cerca de 20 mil professores.

Segundo o órgão, existem atualmente cerca de 80 núcleos de educação afro-brasileira nas universidades públicas. Entre eles está a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP), que realiza curso a distância para professores de toda a educação básica. Há ainda instituições privadas que oferecem ­capacitação.

Projeto de desenvolvimento

Diante do pequeno percentual de escolas adaptadas à nova grade curricular – por falta de formação docente ou de conscientização sobre o tema –, em 2009 a Seppir e o MEC formularam o Plano Nacional de Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

O documento, que estabelece metas, estratégias e as competências de cada esfera governamental, inseriu a questão no Plano Nacional de Educação (PNE). A relatora dessas diretrizes foi a professora aposentada Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, da UFSCar. Apesar de bem-vindas, todas essas ações, inclusive as publicações, são insuficientes. “Desde o advento da Lei nº 10.639, autores e editoras buscam elaborar e divulgar informações, mas nem todas têm consistência e carecem de avaliação”, diz.

Jaqueline, da Ação Educativa, lembra que outro desafio que persiste é inserir o tema em toda a grade curricular do ensino básico, médio e superior, e não mais abordá-lo de maneira pontual em datas como 13 de maio e 20 de novembro. “Isso significa que quando o professor estiver ensinando sobre escritores, por exemplo, aborde os negros, os africanos; quando for ensinar sobre nossa língua, explicar que o português não é tão português assim, que há influências africanas, assim como há influências em todas as áreas do conhecimento.”

Quando a lei foi promulgada, um dos argumentos contrários era o risco de acirramento do racismo. Na avaliação da professora Petronilha, ocorreu o contrário. “Quanto mais nos conhecemos uns aos outros, mais temos chance de nos reconhecer como semelhantes, de nos respeitar, valorizando nossas diferenças. Precisamos realizar pesquisas que nos mostrem o que tem sido criado e a que resultados se tem chegado.”

Para Ângela, da Seppir, o descumprimento da lei traz prejuízos para todos. O Brasil tem o segundo maior contingente de pessoas negras, atrás apenas da Nigéria. “Não podemos dar seguimento a um projeto de desenvolvimento nacional sem superar o racismo e as desigualdades sociais que excluem a população negra do acesso aos bens materiais e intelectuais”, diz. Como ela assinala, a superação do racismo e das desigualdades não é um problema dos negros, mas de todos os brasileiros.

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