Um documento apreendido na sede da Alstom, na França, indica que
integrantes da Secretaria de Energia e três diretorias da EPTE (Empresa
Paulista de Transmissão de Energia) foram subornados para que a
companhia obtivesse em 1998 um contrato de US$ 45,7 milhões (R$52
milhões, em valores da época) com a estatal paulista.
Até agora, a Polícia Federal só havia chegado até o intermediador da
propina, o lobista Romeu Pinto Jr., que admitiu ter recebido recursos da
Alstom para pagar suborno, mas alegou desconhecer os destinatários. Ele
sustenta que entregou os valores a motoboys enviados por pessoas que
não conhecia.
O documento traz detalhes da divisão e do caminho do dinheiro. Segundo o
papel, a Secretaria de Energia, chamada de "SE", recebeu 3% do contrato
(R$ 1,56 milhão). Já as diretorias financeira, administrativa e técnica
da EPTE aparecem como destinatárias de 1,5% (R$ 780 mil), 1% (R$ 520
mil) e 0,13% (R$ 67,6 mil), respectivamente.
À época da assinatura do contrato, em abril de 1998, o secretário de
Energia era Andrea Matarazzo, que ocupou o cargo por seis meses. Ele
nega ter recebido propina.
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O documento menciona os destinatários do suborno por meio de siglas.
"SE" era a forma como a Alstom chamava a Secretaria de Energia em
comunicações internas, segundo papéis do inquérito da PF. As diretorias
são designadas pelas siglas DF, DT e DA.
A Folha consultou Jean-Pierre Courtadon, que foi vice-presidente
da Alstom-Cegelec, e ele confirmou que DA, DT e DF costumavam designar
diretorias administrativas, técnica e financeira.
Courtadon é investigado no Brasil sob suspeita de ter repassado propina,
o que ele nega. Apuração na Suíça concluiu que ele não fez repasses a
políticos e inocentou-o.
Entre 1998 e 1999, as diretorias administrativa, técnica e financeira da
EPTE eram ocupadas por Carlos Eduardo Epaminondas França, Sidney
Simonaggio e Vicente Okazaki, respectivamente. Como as negociações para o
contrato se estenderam por anos, não dá para saber se o documento
designa esses diretores ou outros.
ENIGMA
O mistério do documento é a sigla "F", apontada como recebedora de 2% do
valor do contrato (R$ 1,04 milhão). Entre os executivos que assinaram o
contrato, há um cujo sobrenome começa com "F": Henrique Fingerman.
Ele foi diretor financeiro da EPTE até maio de 1998 e assumiu a
presidência da empresa em seguida. Fingerman, como Matarazzo, já foi
indiciado pela PF sob suspeita de corrupção.
O valor do suborno no documento chega a R$ 6,4 milhões, ou 12,3% do
contrato. O maior valor, segundo a PF, foi pago a Robson Marinho,
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (R$ 2,07 milhões) e chefe da
Casa Civil do governo Mário Covas (PSDB) entre 1995 e 1997.
A investigação brasileira sobre a Alstom começou em 2008 para apurar
suspeita de que a companhia havia pago propina para reativar em 1998
aditivo de contrato que fora assinado em 1983 para construção de três
subestações de energia. A lei limita a duração de contratos a cinco
anos.
O documento obtido pela Folha foi usado nos processos francês e
suíço contra a Alstom. O da França foi arquivado porque até 2000 era
permitido pagar comissões para obter negócios no exterior. O da Suíça
resultou numa multa para a Alstom de US$ 42,7 milhões em 2011. A multa
não contemplou a suspeita de suborno no Brasil porque a apuração aqui
não foi encerrada.
O promotor Silvio Marques, que atua no caso, diz já ter visto o
documento na Suíça. " Ele nunca foi usado porque ninguém sabia o
significado das siglas".
O documento aponta que a empresa MCA, usada por Romeu Pinto Jr. para
intermediar a propina, recebeu 7,5% do valor do contrato diretamente da
Alstom francesa. Contas secretas que a Alstom tinha na Suíça remeteram
mais US$ 516 mil para a MCA.
A Alstom do Brasil também participou do processo. A empresa Acqua Lux,
que pertence a Sabino Indelicato, recebeu R$ 1,82 milhão (3,5% do
contrato). Investigadores suspeitam que Indelicado seja laranja de
Robson Marinho.
Fonte: Folha