Fotos: Maurício Morais |
São Paulo – Depois de dez anos de estudo para
realizar o sonho de aprender a ler e a escrever, Terezinha Brandolim, de
82 anos, se viu sem alternativa no começo deste ano: a escola em que
estudava, no município paulista de Ribeirão Preto, fechou as duas turmas
de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na qual estudavam pessoas de
todos os níveis de escolaridade.
Com a impossibilidade de a mãe continuar os estudos, sua filha, Maria
Zulmira de Souza, convidou-a para ficar em São Paulo, onde mora. “Mas
todas as escolas aqui perto estavam fechando seus cursos de
alfabetização”, conta. Ela, então, contratou uma professora particular,
que dá aulas para "dona Tetê" três vezes por semana. “Resolvi fazer esse
esforço porque deixei muito tempo na mão do governo, que dizia dar
conta, mas não funcionava.”
Dona Tetê faz parte do conjunto de 1,7 milhão de paulistas adultos
que não sabem ler nem escrever, total equivalente à população de
Curitiba. Ainda assim, São Paulo, segundo o Ministério da Educação
(MEC), foi o único estado do país a não aceitar recurso do governo
federal para alfabetização de adultos pelo Programa Brasil Alfabetizado
neste ano. A verba, que varia segundo o número de alfabetizandos e
alfabetizadores, poderia ser usada para pagamento de professores e
coordenadores, além da aquisição de materiais pedagógicos para as aulas.
Com adesão das demais 25 secretarias de Educação (mais o Distrito
Federal), o programa do MEC atende hoje 959 prefeituras. O objetivo é
chegar ao final de 2013 em 3.359 municípios e 1,5 milhão de pessoas.
A Secretaria de Educação de São Paulo informou que o estado possui
seu próprio programa na área, o Alfabetiza São Paulo, que atende a 25
mil alunos em 38 municípios, entre eles a capital paulista e Ribeirão
Preto.
A verba para o projeto neste ano é de R$ 8.879.916. O montante não
está discriminado no Orçamento do estado por, segundo a secretaria,
estar incluído no Programa de Inclusão de Jovens e Adultos na Educação
Básica, que atende a todas as etapas do ensino. O dinheiro, no entanto
vai para ONGs, e não para as prefeituras.
As ONGs, segundo nota da secretaria, fazem uma “uma ação complementar
ao trabalho que já deve ser realizado pelas administrações municipais”.
A secretaria reforçou que a alfabetização faz parte dos anos iniciais
do ensino fundamental, de responsabilidade dos municípios, que ficaram
livres para aderir ao programa federal. Apesar do programa estadual, 40
prefeituras paulistas aceitaram o apoio, com o qual 11.954 pessoas devem
estudar neste ano. O ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) não
aderiu ao Brasil Alfabetizado no ano passado, o que possibilitaria sua
implementação em 2013.
O especialista em Educação de Jovens e Adultos da ONG Ação Educativa,
Roberto Catelli, questiona o programa. “O Alfabetiza São Paulo não dá
conta da demanda. Está longe de dar, por isso, o estado não deveria
deixar de aceitar ajuda”, avalia. “Um programa não inviabiliza o outro,
pelo contrário.”
Ribeirão Preto, onde mora dona Tetê, participa dos dois programas. “O
estado defende que o percentual de analfabetos é baixo, mas em número
absolutos é muito alto. Só na cidade de São Paulo são 300 mil, segundo
dados do Censo de 2010, quase a população da cidade mineira de Uberaba”,
afirma.
Catelli lembra também que o Brasil Alfabetizado, do governo federal,
peca na falta de avaliação dos resultados alcançados e por não propor
meios de os alunos continuarem estudando depois de alfabetizados. “Temos
dados que provam que menos de 10% continuam na escola”, afirma.
Esforço reconhecido
Segundo Maria Zulmira, filha de dona Tetê, ela avançou muito de
janeiro, quando começou a ter aulas particulares, até agora. “A gente
sai na rua e eu tento ler as placas”, conta Tetê. “Qual aquela que você
leu que me deixou emocionada?”, pergunta Maria Zulmira. “Imperatriz”,
respondeu a mãe, orgulhosa.
“Fui
em muitas escolas municipais e estaduais, mas era muito difícil”, conta
dona Tetê. “Quando eu estava na escola, as professoras davam mais
atenção para quem estava sabendo mais. Ela dava exercício que nem para
criança e depois, no mesmo instante, dava aqueles problemas grandes, com
contas muito fortes. Eu não fazia nem as pequenas quanto mais as
grandes... Aí eu só copiava... cheguei até a chorar na escola.”
Dona Tetê, natural do município de Monte Azul Paulista, a 420
quilômetros de São Paulo, não pôde seguir seus estudos na infância por
ter de ajudar os pais, dois colonos agricultores, nos períodos de
colheita. “Sempre tive vontade de voltar a estudar. Mesmo depois de
casada tive que trabalhar muito. Meu marido e meus filhos tentaram
ajudar, mas a gente ficava só um pouco no estudo e depois tinha que
voltar para a roça”, conta.
“Aprender a ler é tudo, muda tudo. Eu fico em casa de noite sozinha,
sentada no sofá, olhando a televisão. Só tem a TV e eu não gosto muito.
Mas, se eu soubesse ler, eu pegava um livro ou escrevia algo”, diz.
“Quando eu aprender, quero fazer a leitura da igreja para todo mundo
ouvir”, planeja. Outra vontade é retornar para Ribeirão Preto, para
estar mais perto da família e dos amigos.
“Eu já chorei muito pela falta da leitura. Chegam as correspondências
em casa e eu tenho que dar para os outros lerem. Quando meu marido
morreu, há 30 anos, tive que buscar trabalho sem saber ler. Eu só fazia
limpeza e trabalhava na roça. Faz falta, muita falta.”
Para Maria Zulmira, alfabetizar a mãe virou um desafio pessoal. “Eu
faço questão de contar a história da minha mãe porque eu imagino que
essa deva ser a história de muitas outras pessoas. Deve haver tanta
gente adormecida que nem minha mãe. Quantos artistas e escritores
poderiam ter sido produzidos neste país? Quantas pessoas poderiam ter
tido a oportunidade de realizar seus sonhos?”
Fonte: Rede Brasil Atual
Fonte: Rede Brasil Atual
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